Vendo que só tinha dois preservativos, arrumei-me, tapando-me toda para ir na farmácia, numa cidade nas redondezas. Então um cliente conhecido me liga. Ele chegou, tirei tudo, atendi-o e depois vesti tudo de novo.
Costumo sair na rua vestida de Creuza ( a falsa beata brega da novela América, que quando tira aquele "disfarce" vira uma vadia gostosa ).
Tem um farmacêutico que sempre puxa conversa comigo. Foi ele que me indicou um bom creme para os seios e é ele que me indica bons medicamentos.
Ele é genuinamente simpático, mas como tem uma aliança que brilha mesmo à distância, abstenho-me apenas a responder suas perguntas e a dizer o que eu quero.
Também, como devem suspeitar, tenho que ir na farmácia com muita frequência para comprar preservativos. Não gosto de preservativos de supermercado. Existem pessoas que vendem preservativos da Espanha. São caixas com centenas de preservativos, num preço muito baixo. Mas com a saúde não se brinca, e eu prefiro comprar preservativos mais caros e me sentir segura do que correr o risco de algum rasgar. E a marca que eu uso, por experiência própria, é uma das mais seguras.
Quando cheguei na farmácia, ele me atendeu. Pedi, falando mais baixo e tentando mostrar naturalidade, 4 caixas de preservativos ( com 12 cada, mais a oferta actual de 6 preservativos com cada caixa ).
Ele disse que ia me fazer uma pergunta indiscreta, e que eu não me ofendesse com isso.
Eu já devia estar à espera. «Se calhar você até já sabe o que eu vou perguntar» - ele acrescentou.
Eu não precisava de responder a verdade. E na maior parte dos casos, quando me fazem essa pergunta ou insinuação, o que quase nunca acontece, eu costumo mentir. Minto, minto, minto com toda a força da minha alma. Me faço de ofendida e proclamo os artigos 180º e 181º, mesmo sabendo que no meu caso de nada adiantaria ( mas eles não sabem disso, só eu sei ) . Digo para a pessoa que meu namorado tem 2m de altura e é mestre em karatê e vai dar-lhe uma sova por causa disso. Me faço de vítima e choro, se necessário for. Mas nunca digo a verdade. Porque ninguém tem nada a ver com isso. Porque só precisa de saber o que eu faço quem me come e me paga. ( Ou, sendo mais exacta, quem me paga ). Porque eu sou duas ao mesmo tempo. Sou a garota que recebe homens dentro do seu apartamento, mas também sou uma mulher comum, como todas as outras, e com uma vida social.
Conheço meninas que não separam uma coisa da outra, o que até respeito, porque cada um é dono do seu corpo e da sua própria vida. Mas nunca me senti bem nesse meio. Quando trabalhava em boîte, tinha menina que saía para ir ao banco com tops, menores que o sutien, e com saias que mostravam tudo e mais alguma coisa. Uma vez uma colega me chamou para ir na Álibi - uma discoteca local - com ela. Bebemos e nos divertimos. Mas depois eu fiquei chateada porque ela estava combinando de fazer programa com um gajo que conheceu por lá. Fiquei deveras chateada. Eu não havia saído de casa para fazer programa. Para fazer programa, eu já tenho os meus clientes, e são eles que me procuram, e não o contrário. Fiquei muito constrangida com a situação. Por sorte minha e azar dela, tinha ido no gajo errado: ele era gay. Não completamente assumido, mas gay.
Mas não tinha motivos para mentir para o farmacêutico - ele estava perguntando de maneira discreta e já havia dito que não queria que me sentisse ofendida - e nem uma boa desculpa que justificasse as quatro caixas de preservativos. ( Acho sempre melhor comprar 4 caixas por semana do que comprar uma de dois em dois dias. Assim sou vista com menor frequência ) .
Podia responder que era ninfomaníaca, ou usar a velha desculpa - que nunca convence - de que era para uma amiga. Podia dizer que ia dar de prenda para um amigo que iria se casar. Podia dizer que era viciada em encher os preservativos de ar, só para depois estourá-los. Mas qualquer dia ele podia aparecer no meu apartamento e minha cara iria ao chão depois de fazer zigue-zague no ar.
«Sei sim» - respondi. «E a resposta é: "sim, mas não conte para ninguém"»
«Boa resposta. Sim, mas não conte para ninguém» - ele repetiu minhas palavras.
Não compro preservativos na mesma farmácia. Gosto dessa porque está sempre ligeiramente mais vazia que as outras. Mas numa semana eu compro preservativos nessa, e em outra semana compro numa outra qualquer.
«E você não quer sair dessa vida?» - ele perguntou.
Acho que nesse momento ele esperava que eu começasse a chorar, queixando-me da vida desgraçada que tinha. Achei que era uma pergunta demasiado íntima para alguém que pouco me conhece - ele só me atendeu umas 3 ou 4 vezes nessa farmácia - mas mesmo assim abri um sorriso e respondi:
«Claro que sim! Mas enquanto isso não acontece, a gente vai fazendo pela vida.»
A seguir perguntou se eu trabalhava em boîte ou fazia deslocações. Respondi que trabalhava por minha conta.
Sua última pergunta foi se os homens não me davam problemas. Da maneira que colocou a pergunta, não consegui perceber bem. Não sabia se ele se referia aos homens brutos, ou se por acaso se referia aos problemas sexuais masculinos e por isso quisesse me indicar algum tipo de viagra.
Era sobre a primeira questão. Eu disse que já tinha aprendido a me safar. Como não parecia convencido, disse-lhe que tinha umas noções de kung-fu. Foi o melhor que pude dizer para encerrar logo a questão. Despedi-me, feliz por ele não ter perdido o meu número, que com certeza eu não daria. Eu não faço programa fora do meu ambiente, nem saio por aí distribuindo meu telefone.
E hoje durante a tarde não estarei disponível. O Sr.M. reservou várias horas comigo, a partir do horário do almoço. Iremos almoçar juntos, depois iremos passear e fazer umas comprinhas, e logo a seguir a gente volta para a minha casa para ele me comer. Como tenho um outro compromisso logo a seguir, ( tenho aula ), é possível que só depois das 22h que estarei disponível. Ou melhor, só estarei livre durante uma hora para os desconhecidos.
Paula Lee
«Costumo dizer que somos para as pessoas um reflexo do que elas são para nós.
Alguns clientes me ligam e perguntam como vou atendê-los. A resposta é simples: eu não sei. E não tenho como saber, até o momento em que ele estiver comigo. Há todo um procedimento de descontracção e de relax, quando o cliente está predisposto para tal.
Posso dizer que sou selectiva com os meus clientes. O que selecciono não é aparência ou a posição social. O que prezo é a postura, o respeito, etc. Não é porque faço esse trabalho ou porque me pagam que sou obrigada a atender quem não quero. Quanto maior é o tempo que gastamos com as pessoas desagradáveis, menor é o que temos para as que nos agradam.
Não sou levada por conversas ou chantagens do tipo:
1- Me faça mais isso ou aquilo que te dou mais dinheiro.
2- Me trate bem que ganhas um cliente.
3- Me atenda agora porque sou um gajo bonito e você não vai se arrepender.
Minhas respostas são as seguintes:
1- Comigo o cliente não tem sempre razão. O corpo é meu e faço dele o que bem entender. Quando um cliente vem, está consciente das minhas condições. Não há dinheiro no mundo que me suborne, ou que faça que eu vá contra os meus princÃpios.
2- Não preciso que me induzam a tratá-los bem. Como digo, é um reflexo. Se o cliente for um bom homem enquanto ser humano, será tratado bem. Não será tratado como os outros, nem melhor, nem pior, independente do dinheiro que me dê. Será tratado como uma pessoa única.
3- Pouco me importa a aparência fÃsica ou a condição social. Não trabalho só para homens bonitos ou só para homens muito ricos. Trabalho para aqueles que podem recompensar o meu tempo, em troca de um momento de convÃvio, relax e prazer.
Em geral, tenho muitos e bons clientes, meiguinhos, educados, simpáticos (etc), o que faz com que o meu trabalho seja menos desconfortável. Tudo isso graças ao facto de ter aprendido a ser selectiva. Atendo, numa primeira vez, pelo menos 99% dos clientes que me procuram. Tiveram o trabalho de ler o jornal, de me ligar, de achar meu endereço, de subir e bater à porta. Mas nada me obriga a atendê-los uma segunda vez.
Talvez por causa dessa minha postura, muito rara é a ocasião de aparecer alguém que eu não queira atender. Só tenho que agradecer muito a Deus pelos clientes maravilhosos que tenho.
Com esse blog que também serve de terapia para os clientes, sento-me no divã e posso avaliar intimamente o passar do tempo e as experiências adquiridas.»