Queria escrever sobre coisas diferentes hoje. Queria escrever sobre os "programas" mais interessantes, invulgares ou satisfatórios que fiz essa semana. Queria falar do "11 minutos". Queria contar sobre um cliente gatinho, que atendi ontem por duas horas. Queria agradecer às pessoas que ligaram, mandaram mensagens ou vieram trazer uma prenda no dia do meu aniversário, dia 17. Quem sabe, expor um pouco das minhas ideias, consideradas refractárias, ambíguas ou pouco convencionais. Ou talvez, em última hipótese, eu queria mostrar a foto de um pénis horroroso que recebi por e-mail.
Mas o G. me ligou hoje. Dessa vez eu não estava a dormir, mas a sair do banho. Ainda estava enrolada na toalha quando o telefone tocou. Contou que a matéria de capa de hoje do Correio da Manhã falava sobre a garota de programa que morreu com sida em Viseu e sobre as investigações correntes. Aposto que ainda terei que falar sobre isso muitas vezes. Se o assunto não morrer, surgirão novas especulações.
«A avaliação do perigo para a Saúde Pública e as condições em que Verli Vitória se dedicava à prostituição estão a ser investigadas pelo Ministério Público de Viseu, que procura eventuais cúmplices do crime de propagação de doença contagiosa, apurou o CM junto de fonte judicial. O caso “está a ser analisado com grande preocupação”, pelo risco de contágio e pela eventualidade da vítima ter sido coagida por algum proxeneta.»
Eu podia apenas ler a matéria na internet, mas tive que sair para comprar o jornal. Colecciono recortes de matérias que falam sobre a prostituição. Além do mais, tenho sempre a sensação de que a edição impressa é sempre mais completa que a virtual. Eu tinha mesmo que sair. Uma anotação avulsa indicava que teria que ir à farmácia comprar um creme reafirmante para os seios. Não que eu precise, mas "Prevenção" é meu sobrenome. Também tinha que comprar um gel lubrificante, porque o meu está no fim. Também comprei mais um livro sobre sexo. Ora, ora, que grande novidade.
Mas vou continuar a falar sobre a matéria, antes que perca o foco.
O segundo parágrafo da edição na internet fala sobre as actuações por dolo (a pessoa sabe que está doente e quer contaminar) e negligência (descuido ou falta de cuidado).
Sobre os médicos que atendem pacientes com HIV ( ou "VIH" ) e continuam a prostituir-se, parece haver uma grande polémica. A ordem dos advogados diz que eles deveriam denunciar - ou talvez lançar um boato de que alguma garota de programa na região está contaminada - e já os médicos defendem o sigilo profissional.
Muito bem lembrado: se o paciente sabe que o médico vai divulgar, muito possivelmente não vai procurá-lo. Apesar de todos os esforços em Viseu - assim creio - os homens continuam a fazer testes em outras localidades, fora do concelho, mesmo sabendo do sigilo profissional actualmente aplicado.
«A doente tinha direito à privacidade e os médicos o dever de sigilo profissional. Tendo em conta o seu comportamento de risco, associado à ignorância de quem a procurava para ter sexo sem protecção, os profissionais de saúde só teriam uma alternativa para evitar a propagação da doença: denúncia anónima.»
Uma das partes mais importantes da matéria é a que diz que hoje já não existem grupos de risco, mas comportamentos de risco, que só podem ser resolvidos com a prevenção. A sociedade ainda nem sequer sabe lidar com a questão da prevenção, quanto mais com o problema.
Ora, ora, tenho que discordar. Não é a prostituição que é um risco. Sejamos francos e sensatos, VIVER É UM RISCO.
Risco é fazer sexo sem preservativo. Fazemos sexo com muito mais pessoas do que uma pessoa "normal"? Muito provavelmente. Isso aumenta a possibilidade de que um preservativo rasgue? Sim, se não tomar certos cuidados. Exemplo: tem homem que fode com uma mulher como se estivesse fodendo com um objecto onde ele simplesmente tem que meter o pau. A mulher é justamente isso para ele: um objecto, um brinquedo. Ele só quer saber de meter. Muitas vezes é bruto. «Devagar que o santo é de barro» - é o que eu costumo dizer. Se ele meter com muita força, o preservativo pode rasgar. Se eu estiver sem nenhuma lubrificação, o preservativo também pode rasgar. Por isso costumamos usar lubrificantes. Tem cara que gosta de dar uma de espertinho. Aquele tipo que não dá para perceber que ele gozou. Ele continua metendo, já com o preservativo cheio. Mas certa altura a gente acaba notando e avisando para não fazer isso pois pode ser perigoso e o preservativo rasgar. Por isso que eu sou selectiva com os meus clientes. Eu costumo atender todos numa primeira vez. Mas nada me obriga a atender uma segunda vez um cliente que eu não queira. Se sorte existe, eu posso dizer que a possuo. A maior parte dos meus clientes são bonzinhos e meiguinhos e seguem sempre as minhas regras.
Como eu sempre faço sexo com preservativo, e sempre tenho muito cuidado, considero que o risco é muito menor. Risco é você ter uma vida normal, confiar numa pessoa, acreditar numa relação séria, fazer sexo sem preservativo.
Qualquer dia eu conto aqui sobre os homens babacas, esdrúxulos e "neandertalescos" - eu sei, essa palavra não existe - que querem fazer sexo sem preservativo, e sobre como me safei.
«Verli, a prostituta brasileira que encontrou a morte em Viseu, arriscou tudo para ganhar mais dinheiro – cobrava preços acrescidos para fazer sexo sem preservativo. Um jogo perigoso, mas que se calcula ter sido protagonizado por dezenas de inconscientes, pouco amigos da camisinha.
A verdadeira dimensão deste caso está ainda por apurar. Só para perguntar o mais óbvio: quantos homens estarão infectados e, entre os casados, quantos contaminaram já as mulheres?»
Inconscientes? Eu li "inconscientes"? Todo mundo sabe da SIDA, e do risco que corre em fazer sexo sem preservativo. E todo mundo também pensa que isso só acontece aos outros. A palavra certa, ou mais adequada, não seria "inconsequentes"?
Quanto às pessoas infectadas, vou deixar um palpite: quase todas, mas a maioria ainda não sabe disso. ( Ou até sabe, e vai fingir que não sabe. ) Assim como muita gente que sabe que a SIDA existe, e continua a fazer sexo sem protecção.
Paula Lee.
«Costumo dizer que somos para as pessoas um reflexo do que elas são para nós.
Alguns clientes me ligam e perguntam como vou atendê-los. A resposta é simples: eu não sei. E não tenho como saber, até o momento em que ele estiver comigo. Há todo um procedimento de descontracção e de relax, quando o cliente está predisposto para tal.
Posso dizer que sou selectiva com os meus clientes. O que selecciono não é aparência ou a posição social. O que prezo é a postura, o respeito, etc. Não é porque faço esse trabalho ou porque me pagam que sou obrigada a atender quem não quero. Quanto maior é o tempo que gastamos com as pessoas desagradáveis, menor é o que temos para as que nos agradam.
Não sou levada por conversas ou chantagens do tipo:
1- Me faça mais isso ou aquilo que te dou mais dinheiro.
2- Me trate bem que ganhas um cliente.
3- Me atenda agora porque sou um gajo bonito e você não vai se arrepender.
Minhas respostas são as seguintes:
1- Comigo o cliente não tem sempre razão. O corpo é meu e faço dele o que bem entender. Quando um cliente vem, está consciente das minhas condições. Não há dinheiro no mundo que me suborne, ou que faça que eu vá contra os meus princÃpios.
2- Não preciso que me induzam a tratá-los bem. Como digo, é um reflexo. Se o cliente for um bom homem enquanto ser humano, será tratado bem. Não será tratado como os outros, nem melhor, nem pior, independente do dinheiro que me dê. Será tratado como uma pessoa única.
3- Pouco me importa a aparência fÃsica ou a condição social. Não trabalho só para homens bonitos ou só para homens muito ricos. Trabalho para aqueles que podem recompensar o meu tempo, em troca de um momento de convÃvio, relax e prazer.
Em geral, tenho muitos e bons clientes, meiguinhos, educados, simpáticos (etc), o que faz com que o meu trabalho seja menos desconfortável. Tudo isso graças ao facto de ter aprendido a ser selectiva. Atendo, numa primeira vez, pelo menos 99% dos clientes que me procuram. Tiveram o trabalho de ler o jornal, de me ligar, de achar meu endereço, de subir e bater à porta. Mas nada me obriga a atendê-los uma segunda vez.
Talvez por causa dessa minha postura, muito rara é a ocasião de aparecer alguém que eu não queira atender. Só tenho que agradecer muito a Deus pelos clientes maravilhosos que tenho.
Com esse blog que também serve de terapia para os clientes, sento-me no divã e posso avaliar intimamente o passar do tempo e as experiências adquiridas.»