Caralhos que me fodam, mas não era assim que eu gostaria de abrir esse blog. Mas seria leviana e hipócrita se deixasse esse assunto passar em branco. Fora a minha aparente preocupação com a hipocrisia, resolvi que deveria falar no assunto logo antes que, assim como em outros casos, entre em esquecimento. Como uma pasta que vai para o arquivo-morto, ou como uma caixa fechada, no fundo do armário, onde estão todas coisas que não precisamos mas que também não jogamos fora.
Era quinta-feira, 11 da manhã, calculo. Estava pedrada de sono, a sonhar com um beijo molhado do Chico Buarque. O cheiro de alfazema com camomila, oriundo do meu travesseiro, ainda propagava alguma tranquilidade. Uma tranquilidade mediana, mas suficiente. O beijo é interrompido pelo toque do meu telemóvel particular. Devido uma gripe mal curada e a garganta em vias de uma inflamação, havia adormecido tardiamente.
Era um cliente. O G. Um dos pouquíssimos clientes que têm meu número particular. A única ideia que me ocorreu foi a de que era mesmo bom ele ter um excelente motivo para me ligar, porque, pela lei das probabilidades, nem tão cedo eu voltaria a beijar o Chico Buarque. Eu ainda não sabia o meu nome nem em que planeta estava, quando ele me informou que uma prostituta tinha morrido em Viseu. "Assassinada?" - era a primeira palavra que me veio em mente, acordando-me por completo. "Não, de sida" - ele afirmou. Pedi que me contasse melhor a história. Depois mudei de ideia, preferindo levantar-me para comprar o jornal, conhecendo sua inclinação para o melodrama.
É verdade, eu não sou tão má assim, e senti pena. Mas sentiria mais pena ainda se alguma colega de trabalho, que fizesse sexo sempre com preservativo, tivesse morrido porque algum tivesse rasgado. Assim como também tenho muita pena das mulheres que agora já devem estar infectadas através dos maridos.
A matéria no Correio da Manhã contava que V.C., conhecida como a "bela italiana", uma brasileira de 32 anos, havia morrido infectada pelo vírus da SIDA em Viseu. Era muito requisitada por fazer sexo sem preservativo. As colegas dizem que, nessas circunstâncias, ela deve ter atendido pelo menos um milhar de clientes.
Liguei para todas as minhas amigas mais próximas quando acabei de ler a matéria. Nesse dia o Correio da Manhã deve ter facturado muito conosco. ( Além do que já factura com os nossos anúncios ). Todas foram comprar o jornal.
Estive a falar com uma amiga que hoje já não faz esse trabalho. Ela relembrou-me os tempos em que trabalhávamos em boate e que por vezes éramos rejeitadas pelos clientes, por mais bonitas e simpáticas que nos mostrássemos. O motivo? Preferiam ir com outras, que faziam sem preservativo. Passo grande parte do meu dia a dizer a mesma frase: "Não, eu não faço nada sem preservativo!" Confesso que por vezes chego a ficar irritada. Por mais informação que haja sobre o assunto, lamento contrariar o que as pessoas pensam, mas ainda há muita procura. Mas em primeiro lugar eu amo a minha vida. Se o sujeito não ama a vida dele... bem, isso já não é problema meu. Ele que se foda.
Sexo sem preservativo é gostoso? Que eu bem me lembre, é gostoso sim! Foi apenas com um gajo, com quem eu perdi a minha virgindade e isso já lá vão uns bons anitos. Mas qual é preferível: fazer sexo sem preservativo e poder continuar a fazê-lo a vida toda, ou fazer sexo sem preservativo, talvez uma única vez, e ver sua vida desgraçada para sempre?
Muitas vezes, depois de passar vários minutos ao telefone, explicando minuciosamente sobre as doenças sexualmente transmissíveis, ainda calha de chegar alguém no meu quarto que, não contente por não conseguir me convencer ao telefone, tenta me convencer pessoalmente. Patético e lamentável. Ainda há quem se vire para mim e diga: "Mas eu te dou mais dinheiro, se quiser." Oh, meu grandicíssimo babaca, e você acha que a minha vida vale apenas isso? Se a sua vale, não faça comparações desse género com a minha. Não bastando a firmeza que exponho nas minhas convicções, há sempre alguém que diga: "Mas eu confio em você!" Acaba de me conhecer, e já diz que confia em mim.
As pessoas acham que os males só acontecem aos outros.
Li só hoje uma outra matéria que diz que o número de clientes em busca de serviços de prostituição baixou significativamente por causa da morte da V.C. Devem estar com medo, ou se calhar pensam que só correm riscos ao fazerem sexo com meninas que se prostituem. O risco sempre há quando se faz sexo sem preservativo, independente de onde seja e de com quem seja.
Paula Lee.
«Costumo dizer que somos para as pessoas um reflexo do que elas são para nós.
Alguns clientes me ligam e perguntam como vou atendê-los. A resposta é simples: eu não sei. E não tenho como saber, até o momento em que ele estiver comigo. Há todo um procedimento de descontracção e de relax, quando o cliente está predisposto para tal.
Posso dizer que sou selectiva com os meus clientes. O que selecciono não é aparência ou a posição social. O que prezo é a postura, o respeito, etc. Não é porque faço esse trabalho ou porque me pagam que sou obrigada a atender quem não quero. Quanto maior é o tempo que gastamos com as pessoas desagradáveis, menor é o que temos para as que nos agradam.
Não sou levada por conversas ou chantagens do tipo:
1- Me faça mais isso ou aquilo que te dou mais dinheiro.
2- Me trate bem que ganhas um cliente.
3- Me atenda agora porque sou um gajo bonito e você não vai se arrepender.
Minhas respostas são as seguintes:
1- Comigo o cliente não tem sempre razão. O corpo é meu e faço dele o que bem entender. Quando um cliente vem, está consciente das minhas condições. Não há dinheiro no mundo que me suborne, ou que faça que eu vá contra os meus princÃpios.
2- Não preciso que me induzam a tratá-los bem. Como digo, é um reflexo. Se o cliente for um bom homem enquanto ser humano, será tratado bem. Não será tratado como os outros, nem melhor, nem pior, independente do dinheiro que me dê. Será tratado como uma pessoa única.
3- Pouco me importa a aparência fÃsica ou a condição social. Não trabalho só para homens bonitos ou só para homens muito ricos. Trabalho para aqueles que podem recompensar o meu tempo, em troca de um momento de convÃvio, relax e prazer.
Em geral, tenho muitos e bons clientes, meiguinhos, educados, simpáticos (etc), o que faz com que o meu trabalho seja menos desconfortável. Tudo isso graças ao facto de ter aprendido a ser selectiva. Atendo, numa primeira vez, pelo menos 99% dos clientes que me procuram. Tiveram o trabalho de ler o jornal, de me ligar, de achar meu endereço, de subir e bater à porta. Mas nada me obriga a atendê-los uma segunda vez.
Talvez por causa dessa minha postura, muito rara é a ocasião de aparecer alguém que eu não queira atender. Só tenho que agradecer muito a Deus pelos clientes maravilhosos que tenho.
Com esse blog que também serve de terapia para os clientes, sento-me no divã e posso avaliar intimamente o passar do tempo e as experiências adquiridas.»